Páginas

26 de mar. de 2010

Momentos de Perfeição

Não era o que ela fazia sempre. Talvez por isso ela estivesse tão perdida em pensamentos. Não havia ninguém para atender e ela aproveitava o momento para fazer o que havia sido pedido. Ela não queria que nada ficasse errado, não queria esquecer de nenhum detalhe. Segurando a vassoura na mão, varria o chão cuidadosamente, enquanto repassava tudo que precisava fazer antes de ir embora dentro de poucos minutos. Limpar o chão, desligar a estufa, empacotar o pão, tapar os frios, desligar as luzes.

Tendo terminado de varrer, ela se virou para largar a vassoura no lugar correto e viu um vulto do outro lado do balcão. Havia um cliente, um senhor na faixa dos sessenta anos. Rapidamente ela se aproximou para atendê-lo. Ela teve a impressão de ele já estava ali havia algum tempo, mas ele não parecia apressado ou aborrecido com a falta de atenção, ele apenas observava em silêncio. Mesmo assim ela se desculpou por não tê-lo visto. Ele continuava com o olhar sonhador, debruçado no balcão. Respondeu que ela estava tão entregue ao serviço que executava, tão compenetrada, que ele não se atreveu a interrompê-la.

Ela sabia exatamente do que ele falava. Ele falava dos momentos de perfeição. Pequenos momentos em que a vida simplesmente parece uma poesia. Sabia também que são poucas as pessoas que conseguem captá-los. A maioria delas passa apressadamente por eles e nem nota. Ela mesma gostava de colecioná-los. Agora estava surpresa por ter encenado um deles.

A moça olhou para baixo e sorriu um tanto envergonhada, sentindo que havia sido pega em flagrante. O homem notou e modificou a expressão sonhadora para a expressão prática que usamos no dia-a-dia e começou a fazer o pedido, mudando de assunto. Deixando a vida seguir seu rumo, deixando o momento de perfeição para trás.


Sim, as pessoas tem momentos de perfeição. Às vezes nem se dão conta disso. Já vi pessoas caminhando em pura luminosidade pela praia. Ou, então, às vezes, um certo perfil num restaurante ou num teatro. Em Tracunhaém, lá em Pernambuco, vi uma artesã sentada no pobre chão de sua casa fazendo uma bela escultura de barro: era de uma comovente perfeição. O momento de esplendor de uma pessoa , no entanto, nem sempre é aquele em que ergue um troféu. Pode ser aquele em que distraído na varanda da casa ou da fazenda passa em revista vida interior.”


Trecho de extraído do livro “Que Presente Te Dar”de Affonso Romano de Sant'Anna


2 comentários:

  1. Dando uma de escritora? :)

    Gosto desses 'momentos de perfeição'. Me lembrou O pequeno príncipe, e Flugufrelsarinn!

    ResponderExcluir
  2. Manu17:51

    Aaaw, achei fofo esse! Você que fez?

    Olha, nesse site tem muuuitos templates legais: www.blogskins.com

    ResponderExcluir